Maricá lança campanha de Combate à Intolerância Religiosa
A Prefeitura e lideranças religiosas de Maricá reuniram-se na última sexta-feira (22/01), no Centro de Artes e Esportes Unificados (CEU), na Mumbuca, para lançar a campanha nacional de Combate à Intolerância Religiosa, cuja data adotada oficialmente é o dia 21 de janeiro, comemorada juntamente com o Dia Internacional da Religião. A data foi escolhida para lembrar a morte da Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos – a Mãe Gilda – depois que sua casa, na Baixada Fluminense, foi invadida, seu marido agredido, e seu terreiro depredado por um grupo de fanáticos ligados a uma igreja evangélica neopetencostal. A mãe-de-santo teve sua foto estampada na capa do jornal publicado pela igreja, acompanhada da manchete: “Macumbeiros charlatães (sic) lesam o bolso e a vida dos clientes”. Mãe Gilda enfartou e morreu no dia 21 de janeiro de 1999, sendo a data escolhida como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.
O encontro foi mediado pela produtora cultural Aduni Benton, diretora artítica da Cia “É tudo Cena”. Religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, e religiões cristãs como o Catolicismo e o Evangelismo, foram representados por diversos líderes de terreiros e templos do município. O encontro contou com a projeção do filme “Até Oxalá vai à Guerra”, de Carlos Pronzato e Stéfano Barbi Cinti, com produção de Marcos Rezende – coordenador nacional do Coletivo de Entidades Negras (CEN). O documentário aborda a demolição, por parte da Prefeitura, do terreiro de candomblé Oiyá Onipô Neto (Salvador, BA), como exemplo de racismo e intolerância religiosa em uma metrópole considerada a meca das religiões de matriz africana no Brasil.
Mãe Rosa, yalorixá do templo e proprietária do imóvel demolido possuía documentação regularizada, mas a legislação não foi respeitada. Lideranças religiosas e comunitárias locais recorreram ao Ministério Público e, através da Lei Federal 7.616 (Lei sobre a Intolerância Religiosa), a Prefeitura de Salvador foi considerada culpada e obrigada a reconstruir o templo, tendo o prefeito da cidade, à época, sido obrigado a desculpar-se publicamente perante a população. No documentário, mães-de-santo, líderes comunitários, capoeiristas e o poeta baiano Capinam, presidente da Associação de Amigos das Religiões Afro (Amafro), dão depoimentos justificando as agressões sofridas pelas religiões de matriz africana como exemplo do racismo que o negro e o pobre sofrem no Brasil, desde a época colonial.
“O que a sociedade burguesa pretende, como em diversas outras épocas de nossa história, é realizar uma faxina étnica, excluindo o pobre e o negro para que se tornem invisíveis, esquecendo que o braço negro escravo foi quem construiu o país. O local do templo que foi destruído está em uma região de grande especulação imobiliária, o que, somado ao racismo e à intolerância religiosa, fizeram a Prefeitura demolir o imóvel. O agravo à cultura imaterial do sagrado, este, porém, não tem resgate”, afirma Capinam.
Após a exibição do filme, foi dada a palavra às lideranças religiosas e representantes do governo municipal. Na ocasião, foi lançada oficialmente a ‘fita marrom’, criação do designer Marcelo Chelles, Egbomi de Logun-Edê do Ilê Axé IYá Orumeci, divulgado pela internet como símbolo mundial de adesão à luta contra a intolerância religiosa. Foi lido um manifesto pela yalorixá Rosinha de Oxum, e um poema pela yalorixá Cecília Lira, sobre a paz, o amor e a inter religiosidade.
O secretário municipal adjunto de Direitos Humanos e Participação Popular, Mauro Alemão, representou o prefeito Washington Quaquá. “Embora o Brasil seja um país essencialmente mestiço, até hoje vivemos um racismo velado. É preciso que esse preconceito seja desmascarado para que haja mais tolerância com a fé e a crença do outro. Felizmente em Maricá, temos um governo progressista, que defende a diversidade e o direito universal entre os homens”, avalia.
O coordenador municipal de Políticas LGBT, Carlos Alves, lembrou a violência contra os homossexuais no Brasil, a luta pelo respeito à diversidade sexual e a necessidade da convivência pacífica. Carlos lembrou que foi preso no Congresso ao defender ideias progressistas e a igualdade de direitos. “É preciso que o povo deixe de eleger esse tipo de político, para que o Brasil avance mais democraticamente e passe a ter vez e voz na comunidade das nações”, disse.
A assessora estadual do Cedine, Márcia Passos, lembrou que o preconceito é resultado da falta de conhecimento da realidade e das leis. “Muitos não sabem, mas, quando a Lei Áurea foi promulgada, existiam apenas 5% de escravos no seio da população brasileira. A maioria estava alforriada ou era formada por criados de pago, grande parte domésticos urbanos, oriundos das propriedades rurais”, disse. Para o assessor da Secretaria municipal adjunta de Assuntos Religiosos, Sandro Lima, “infelizmente existe o fanatismo em todas as religiões, mas os verdadeiros evangélicos são contra a violência e propagam o amor de Cristo entre os homens, independente de cor, credo ou classe social”.
Já o coordenador do Centro de Tradições AfroBrasileiras (Cetrab), André Carcará, defendeu a regulamentação da Lei 10.609, de ensino da história africana e religiões afro no Brasil. O presidente do Conselho Municipal de Diversidade Racial, Joel Rocha, lembrou da Conferência Municipal de Direitos Humanos em Maricá, que acontecerá dia (27/02). Presidente do Grupo de Capoeira Filhos da Lua, Mestre Dico luta há mais de 40 anos para preservar a cultura afro em Maricá. Com seus alunos, apresentou inúmeros de capoeira, maculelê, convidando os presentes a participarem de um samba de roda, que encerrou o evento.