Maricá: afinal, pertence à Região dos Lagos? Entenda a polêmica e seus impactos
Maricá, no litoral do Rio de Janeiro, sempre despertou dúvidas sobre sua ligação com a famosa Região dos Lagos. Geograficamente, a cidade está encostada em Saquarema, o município que encerra o rol clássico das cidades “lagunares”, e compartilha com elas o cenário de praias oceânicas e lagoas costeiras. No entanto, por décadas, vigorou a ideia de que a Região dos Lagos abrange sete cidades – Araruama, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia e Saquarema –, sem incluir Maricá. Essa definição tradicional coloca Maricá fora do circuito dos “lagos”, ainda que a cidade possua nada menos que 46 km de praias e seis lagoas interligadas em seu território, características naturais típicas da costa leste fluminense.
Apesar de não constar na lista oficial das cidades da Região dos Lagos, Maricá frequentemente é vista como a “porta de entrada” desse paraíso praiano. No mapa turístico “Costa do Sol”, marca adotada pelo governo do estado para promover a região, Maricá aparece na extremidade sul do circuito que vai de Quissamã, no norte fluminense, até Maricá, ao sul. Ou seja, do ponto de vista turístico e geográfico, Maricá faz parte sim desse contínuo litorâneo ensolarado – tanto que o município sedia encontros de integração dos 13 municípios da atual Costa do Sol, nome dado ao conjunto que equivale à antiga Região dos Lagos ampliada. Mas e do ponto de vista administrativo e político, Maricá pertence ou não à Região dos Lagos? A resposta mudou ao longo do tempo e envolve decisões oficiais que refletem ora a vocação balneária da cidade, ora sua integração metropolitana.
Mudanças na classificação oficial
Administrativamente, Maricá já foi considerada ora parte da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, ora parte da Região dos Lagos (também chamada de Baixadas Litorâneas em planejamento regional). A cidade originalmente integrou a Região Metropolitana criada em 1974, que englobou as localidades do Grande Rio após a fusão do estado do Rio com a Guanabara. Nos anos 1990, entretanto, começou a se delinear uma mudança de entendimento. Em 1995, uma lei estadual formalizou a denominação “Região dos Lagos Fluminenses” para o conjunto de municípios litorâneos que incluía Maricá, Saquarema, Araruama, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio e Arraial do Cabo. Era um reconhecimento oficial do eixo praiano como região própria, sugerindo já aí uma dupla pertença de Maricá: politicamente atada à metrópole, mas natural e turisticamente alinhada aos balneários.
A virada mais significativa veio em 2002. Naquele ano, o governo estadual removeu Maricá da composição legal da Região Metropolitana, efetivamente “devolvendo” a cidade ao rol da Região dos Lagos. A decisão, sancionada pelo então governador Anthony Garotinho, baseou-se no argumento de que “por suas características, Maricá pertence à Região dos Lagos, possuindo vocação diferenciada” em relação aos municípios tipicamente metropolitanos. Em outras palavras, Maricá foi reconhecida oficialmente como uma cidade de perfil praiano e turístico, distinta das cidades urbanizadas e industrializadas do Grande Rio. Esse movimento de autoexclusão de Maricá da RMRJ em 2002 significou que, durante boa parte dos anos 2000, Maricá deixou de ser tratada nos planos estaduais como município metropolitano, sendo categorizada dentro da microrregião da Baixada Litorânea (Região dos Lagos). Não por acaso, nesse período a cidade ficou fora das instâncias formais de planejamento metropolitano, o que gerou certo “vazio” de coordenação regional envolvendo Maricá e os vizinhos do Leste Fluminense.
A classificação, porém, mudaria de novo poucos anos depois. Em 2009, diante de novos fatores econômicos e urbanos, Maricá foi reintegrada à Região Metropolitana do Rio por meio de lei complementar estadual. Na mesma leva, outro município litorâneo, Itaguaí, também retornou, elevando o Grande Rio a 19 municípios na época. Por que reverter a decisão? Entre os motivos, pesaram a crescente integração de Maricá à malha urbana e econômica da metrópole – com milhares de moradores se deslocando diariamente a trabalho ou estudo para Niterói e Rio – e a necessidade de incluí-la em projetos estratégicos regionais. No final dos anos 2000, o litoral leste fluminense ganhava protagonismo com empreendimentos como o Complexo Petroquímico de Itaboraí (COMPERJ), que demandavam coordenação supramunicipal em infraestrutura e desenvolvimento. Tanto que, pouco depois, em 2013, municípios do entorno (Rio Bonito e Cachoeiras de Macacu) também foram agregados à Região Metropolitana justamente “por conta da instalação do COMPERJ”. Maricá, assim, voltou ao guarda-chuva metropolitano para se alinhar a essas políticas integradas. Na prática, desde 2009/2010 a cidade participa ativamente dos fóruns e planos do Grande Rio – por exemplo, integra o Conleste (consórcio intermunicipal do Leste Metropolitano ligado ao COMPERJ) e contribuiu na elaboração do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da RMRJ.
Vale lembrar que, independentemente dessas idas e vindas estaduais, o IBGE sempre teve suas próprias divisões regionais de cunho estatístico. Entre 1989 e 2017, o instituto definia a “Microrregião dos Lagos” (parte da Mesorregião das Baixadas Litorâneas) com os sete municípios turísticos tradicionais – Maricá não entrava nela, figurando em outra unidade junto a Niterói e arredores. Em 2017, porém, o IBGE aposentou mesorregiões e microrregiões, adotando as regiões geográficas imediatas e intermediárias. Nesse novo arranjo, Maricá está na Região Geográfica Intermediária do Rio de Janeiro, sinalizando sua conexão funcional com a metrópole, ao mesmo tempo em que continua à beira da Costa do Sol no mapa turístico.
Turismo, administração e identidade regional
As idas e vindas na classificação oficial de Maricá refletem diferentes vocações e interesses, cujos impactos são sentidos no dia a dia dos moradores e no modo como a cidade é percebida. Do ponto de vista do turismo e da identidade cultural, pouca coisa mudou: Maricá continua a se promover como destino litorâneo integrado à região dos balneários. Estar ou não “no papel” da Região dos Lagos não afeta suas praias e lagoas, que continuam a atrair visitantes em busca de sol e mar. A própria Secretaria de Turismo estadual inclui Maricá na região turística Costa do Sol, destacando suas belezas naturais semelhantes às das vizinhas Cabo Frio, Búzios e Saquarema. Eventos esportivos, festivais gastronômicos e roteiros ecológicos em Maricá são divulgados em conjunto com os demais municípios costeiros, numa estratégia de cooperação regional para fortalecer o “polo turístico” do estado. Ou seja, na mentalidade do visitante e na autoestima local, Maricá sente-se parte da família dos balneários – algo importante para a economia da cidade, que vem investindo em atrações de ecoturismo, turismo rural e cultural para além do verão.
No campo administrativo e de investimentos públicos, a volta de Maricá à Região Metropolitana trouxe vantagens e desafios. Por um lado, a inclusão no Grande Rio dá acesso a instrumentos de gestão compartilhada: a cidade passou a ter voz nos conselhos metropolitanos que discutem mobilidade, saneamento, uso do solo e segurança pública em escala intermunicipal. Isso aumenta a chance de Maricá ser contemplada em projetos estruturantes – por exemplo, pleitos por novas ligações viárias e de transporte coletivo ligando o Leste Metropolitano ao Rio (como opções de BRT ou mesmo extensão de malhas ferroviárias no futuro) ganham mais força quando a cidade está oficialmente no perímetro metropolitano. Estudos recentes no âmbito do Plano Metropolitano já apontam a necessidade de conectar Maricá de forma eficiente à malha do Grande Rio, evitando reproduzir na cidade os problemas de ocupação desordenada vistos em áreas periféricas da capital. Estar integrada às políticas regionais significa também poder buscar recursos federais e estaduais com recortes metropolitanos – em áreas como habitação, defesa civil e desenvolvimento econômico –, algo que municípios “isolados” nem sempre conseguem acessar com facilidade.
Por outro lado, há quem tema que Maricá, ao ser classificada como metropolitana, possa perder parte de sua identidade de cidade praiana tranquila. Esse receio, entretanto, não se confirmou na prática: a administração local tem usado uma estratégia dual, aproveitando o melhor dos dois mundos. Maricá se apresenta como destino turístico em ascensão (surfando na marca Costa do Sol) ao mesmo tempo em que ostenta projetos sociais e infraestrutura financiados pelos robustos royalties do petróleo que recebe – recurso que a alçou a um patamar econômico destacado dentro da RMRJ. Para os moradores, o cotidiano reflete essa dualidade: muitos continuam buscando serviços, empregos e estudo em Niterói e Rio (reforçando os laços metropolitanos), enquanto a cidade investe para reter população e atrair novos moradores com qualidade de vida litorânea. Não por acaso, Maricá foi um dos municípios fluminenses que mais cresceram nas últimas décadas, alimentada por fluxos migratórios de quem sai da capital em busca de moradia mais acessível e ambiente praiano. Essa migração aumentou a demanda por infraestrutura urbana local – e estar na Região Metropolitana facilita o planejamento integrado para atender a essas necessidades, sem deixar Maricá esquecida em um canto do mapa.
Em suma, Maricá hoje não faz parte da Região dos Lagos na divisão político-administrativa – esta permanece definida pelos sete municípios citados, conforme documentação oficial. A cidade integra oficialmente a Região Metropolitana do Rio desde 2009, status confirmado em leis e planos atuais. Contudo, isso não apagou seus laços com a Região dos Lagos. Historicamente e geograficamente, Maricá sempre esteve na borda desse enclave de lagoas e areais; e culturalmente continua a se identificar como uma cidade praiana, irmã das demais estâncias da Costa do Sol. As mudanças de classificação ao longo do tempo refletem mais os objetivos governamentais de cada época – ora realçando a vocação turística, ora priorizando a integração urbana – do que qualquer transformação física nos limites da cidade. Para os maricaenses, o importante é que Maricá segue colhendo os frutos de ambas as pertenças: promovendo-se como um recanto natural de destaque no circuito dos lagos, sem abrir mão dos benefícios de planejar seu futuro ao lado da metrópole fluminense. E assim, a antiga cidade pacata vai consolidando uma nova identidade híbrida: ao mesmo tempo balneária e metropolitana, com orgulho.