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Maricá: A indústria do hidrogênio e a salvação da cidade

Marcelo Coutinho, Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em função das mudanças climáticas – que podem inclusive fazer boa parte de Maricá desaparecer nas próximas décadas, por causa do degelo que provoca a elevação do nível do mar -, os produtos derivados do petróleo serão banidos do mundo. Na verdade, já há um cronograma para esse banimento dos combustíveis fósseis entre os países desenvolvidos. Não será, por exemplo, mais aceito vender carros a gasolina ou diesel na Europa daqui a 12 anos. Do desaparecimento de praias até a fumaça que toma uma cidade inteira como Nova Iorque mais recentemente, há fortes incentivos para acelerar a transição energética.

Por causa também do declínio do campo de Tupi, a cidade de Maricá deveria desde já acelerar seus planos de transição para uma economia de baixo carbono e substituição de receitas. O município vive há anos basicamente dos royalties do petróleo. Com o fim desses recursos já previstos, é preciso ter outra fonte de renda. A Petrobrás está buscando agora campos muito longe do Rio de Janeiro, e Maricá deveria voltar-se para a produção do hidrogênio, considerado já o combustível substituto no mundo todo porque não emite gases efeito estufa.

A indústria do hidrogênio crescerá rapidamente a partir de agora. Deve ganhar velocidade ainda nesta década e chegar a um crescimento de 50% entre 2030 e 2050, atingindo um valor de mercado em torno de 1,4 trilhão de dólares por ano. Os investimentos previstos para os próximos anos já superam a casa dos 100 bilhões de dólares, e o comércio global do chamado hidrogênio verde, ou H2V, pode gerar mais de US$ 280 bilhões em receitas anuais de exportação até 2050, isso fora todo os benefícios gerados para outros setores da economia.

A comunidade internacional definiu como limite de aquecimento do planeta a marca de 1,5 graus celsius. Para cada 0,1 oC acima disso, cerca de 150 milhões de pessoas no mundo morrerão ou serão obrigadas a migrarem para outros lugares porque o calor ou as suas consequências serão insuportáveis. Entre 1,5 a 2 oC de acréscimo na temperatura do planeta provocada pela emissão de dióxido de carbono, as praias de Maricá devem desparecer, juntando mar e lagoas. A inundação pode até avançar ainda mais. Cientistas, empresários e governos estão convencidos de que o hidrogênio desempenhará um papel central para evitar desastres apocalípticos como esses.

Para atingir um nível de produção de hidrogênio capaz de zerar as emissões de gases poluentes e, assim, diminuir o aquecimento da Terra, será preciso aumentar os investimentos anuais globais para US$ 360 bilhões a cada ano, em média. Parece impossível, mas não é. Para se ter uma ideia, US$ 417 bilhões foram investidos apenas em petróleo e gás em 2022. O hidrogênio pode fornecer até 85 gigatoneladas em reduções nas emissões cumulativas de CO2 até 2050. A indústria do hidrogênio criará cerca de dois milhões de empregos a cada ano entre 2030 e 2050, especialmente em países como o Brasil.

Quem mais se beneficiará com a industrialização do hidrogênio verde serão os países em desenvolvimento. Cerca de US$ 1,9 trilhão em financiamento é necessário para o mercado de hidrogênio se desenvolver plenamente na América Latina e África até 2050. Esses investimentos serão bastante variados porque o H2V tem inúmeras aplicações, com algumas se destacando mais do que outras. Os setores que mais deverão usar o hidrogênio serão o da indústria pesada, como a fabricação de aço, alumínio e cimento, e o setor de transporte, sobretudo trens, navios, aviões e caminhões. Mas já há inclusive carros de passeio movidos a H2V.

A economia do hidrogênio verde poderá se beneficiar de ações políticas e apoio regulatório pelo menos nos primeiros anos dessa indústria nascente, para ajudar a desenvolver soluções na escala necessária. O problema para o desenvolvimento da indústria é alinhar todas as suas etapas e processos necessários para o seu sucesso e, em seguida, colocá-los em ordem num planejamento bem consistente. Outro fator é que os projetos devam ter clientes já previstos antes mesmo que as decisões finais de investimentos sejam tomadas.

Também está ficando claro que o hidrogênio só funcionará realmente como gás se for usado localmente, transportado sobretudo por gasodutos para o consumo de indústrias e veículos. Para ser viável como combustível de exportação, o hidrogênio precisará ser transformado em forma de metanol, amônia ou outros transportadores de energia que estão sendo estudados. É uma tecnologia bastante madura do ponto de vista da produção, mas para transportar ainda levará de um a dois anos para a sua maturidade completa. Todas essas variáveis e outras precisam ser muito bem examinadas conjuntamente para o êxito dos projetos.

As cidades com visão de futuro precisarão agir ainda nesta década para obter as melhores chances de aproveitar a oportunidade que está agora aberta. Quem sair na frente “sentará na janela”. Maricá precisa já começar a desenvolver um plano de transição, não só porque os recursos provenientes do petróleo vão sofrer uma queda brusca, mas também para gerar empregos numa nova era de desenvolvimento sustentável, sem a qual metade do município pode desaparecer em meados deste século, inundada pelo mar. Não se trata apenas de ecologia, mas da sobrevivência das futuras gerações com menos de 30 anos, e da cidade como um todo, que cresceu bastante nos últimos tempos, e agora precisa encontrar um novo caminho para continuar prosperando.

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