Com muita criatividade, artesão morador de Maricá transforma lixo em arte
Na casa do artesão Rafael Cavalcante, de 66 anos, não há cestos de lixo. É que o objeto, presente na maioria das residências, não tem nenhuma utilidade para ele. Tudo aquilo que para as outras pessoas não possui serventia e acaba indo parar nas lixeiras, nas mãos do morador de Maricá se transforma em arte.
A criatividade do artista é capaz, por exemplo, de transformar uma fita cassete, fios de telefone, tampa de garrafa e pedaços de câmara de ar de bicicleta na imagem de uma santinha. Com spray preto e uma tinta cobre ele arremata a peça, que fica com aspecto vintage.Também fez um veleiro utilizando um telefone sem fio que não funcionava mais, fios, hastes de guarda-chuva e câmara de ar.
O que começou como hobby, há cerca de 20 anos, com o tempo virou ganha-pão do artista. As peças vendidas em bancas nas ruas do Centro e da Zona Sul do Rio, por preços que partem dos R$ 10,garantem um faturamento mensal que pode chegar a R$ 3 mil. O valor supera em mais de duas vezes os R$ 1.140 da aposentadoria do INSS.
Em seu ateliê, improvisado na casa em que está vivendo temporariamente no bairro do Boqueirão desde que se separou da esposa, ele trabalha atualmente em duas peças. Uma delas é um escudo que está sendo feito com uma calota de roda de carro e dois cabos de guarda-chuvas cruzados como se fossem espadas. Um suporte de TV pode virar o brasão que complementará a peça, que também ainda receberá pintura.
A outra peça é uma encomenda de um restaurante na Lagoa de Araçatiba, na região, que exibe na decoração trabalhos de artistas locais. Trata-se de uma figura humana — ainda não está definido se será masculina ou feminina — feita com peças de liquidificador, um pedaço de chapa metálica, arames e pés de uma tábua de passar roupa.
— Essa habilidade é um dom. Rafael consegue enxergar nas peças mais banais e corriqueiras elementos de arte. Uma vez ele olhou um saco com algumas coisas que seriam jogadas fora e visualizou um trenzinho. Eram caixas de som dessas usadas em computador. Outro dia,ele chegou com uma antena de carro dizendo que iria fazer um Dom Quixote. Ou seja, tudo se transforma nas suas mãos. Ele é fantástico — testemunha o artista plástico Márcio Grielo, de 57 anos, que divide com o artesão um box no Mercado das Artes, no Centro de Maricá.
Na sua bancada de trabalho há um pouco de tudo. Tampas degarrafas de refrigerante podem virar cabeça das esculturas, peçaseletrônicas sem uso ganham mil e umas utilidades, assim como fios,correntes e todo tipo de objeto que iria para o lixo. No começo, elemesmo catava nas ruas os objetos. Sabedores de sua habilidade, osamigos e vizinhos fazem doações.
Numa sacola, ele guarda uma cafeteira, um no-break e um secador de cabelos, dados por uma vizinha que desistiu de mandá-los para o conserto. Recentemente, um cliente doou uma bolsa com mais de 50 fitas cassetes. Até as caixinhas das fitinhas ganharam utilidades nas suas mãos.
Em sua casa, além de nada ir para o lixo, o que dá defeito também se transforma em outra coisa. Foi o que aconteceu com o chuveiro elétrico que queimou recentemente. O objeto foi desmontado e suas peças viraram várias esculturas que vendidas renderam R$ 90 ao artesão. Detalhe: o chuveiro novo custou R$ 47.
— Tenho um lema que diz o seguinte: aqui em casa o que dádefeito tem de se pagar — afirma.
No caso do chuveiro ele não só se pagou como ainda deu lucro.Tem mais: a carcaça sobrou e ainda está a espera de novo uso.
Reportagem: Geraldo Ribeiro / Jornal Extra