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Maricá: Obras do complexo turístico Maraey seguem embargadas na Justiça

Maricá Info aborda histórico do empreendimento na Restinga de Maricá que geraria milhares de empregos

O projeto MARAEY – um complexo turístico-residencial de luxo planejado para a Restinga de Maricá (RJ) – foi concebido há mais de uma década pela empresa IDB Brasil, em uma área de 840 hectares conhecida, na época, como Fazenda São Bento da Lagoa. Trata-se de um empreendimento de capital luso-espanhol projetado para incluir quatro resorts cinco-estrelas, condomínios residenciais de baixa densidade e até um centro de formação hoteleira internacional. Parcerias de peso foram anunciadas, como a criação do primeiro hotel temático Rock in Rio do mundo (em associação com o festival de música) e a construção de hotéis das bandeiras Ritz-Carlton Reserve e JW Marriott, totalizando mais de 1,1 mil quartos disponíveis aos turistas. O investimento estimado é de R$ 11 bilhões ao longo de 16 anos, prometendo transformar a região em referência de “turismo sustentável” e “smart city” com infraestrutura moderna, incluindo campo de golfe, marinas, centros comerciais e extensa área ambiental preservada, equivalente a 81% do terreno, segundo os desenvolvedores.

A IDB Brasil, responsável pelo empreendimento, firmou acordos de cooperação técnico-científica com universidades federais (como UFRRJ e UFES) para estudar espécies da região e minimizar impactos. O projeto prevê ainda a criação de uma reserva ambiental privada (RPPN) em parte da área de restinga, como forma de compensação e preservação.

Em 2015, Maraey obteve Licença Prévia ambiental e, em outubro de 2021, a Licença de Instalação para iniciar as obras de infraestrutura. No papel, a proposta ocuparia apenas 6,6% da área total, concentrando construções em zonas específicas e garantindo a preservação do restante.

Obras paralisadas por embargos judiciais

Apesar das credenciais apresentadas, o Maraey enfrenta uma batalha judicial prolongada. Desde 2013, Ações Civis Públicas movidas pelo Ministério Público Estadual (MPRJ) e por associações locais questionam o licenciamento ambiental concedido ao empreendimento, apontando riscos socioambientais graves em uma das restingas mais importantes e estudadas do país. Decisões favoráveis a esses questionamentos já ocorriam na justiça fluminense e em Brasília antes mesmo do início das obras. Em abril de 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a suspensão do processo de licenciamento até julgamento final das ações, acatando o princípio da precaução diante de possíveis danos irreversíveis à Área de Proteção Ambiental de Maricá. Essa posição foi reiterada em maio de 2023 pelo STJ, proibindo quaisquer novas licenças na região.

Em março de 2023 a IDB Brasil obteve autorizações estaduais e municipais para iniciar obras iniciais (de infraestrutura viária e preparação do terreno) e chegou a abrir o canteiro de obras em abril de 2023. O movimento gerou reação imediata de comunidades tradicionais e ambientalistas. Indígenas da aldeia Mata Verde Bonita (Tekoa Ka’Aguy Ovy Porã) bloquearam o acesso ao canteiro e fixaram um “embargo simbólico” na placa da obra em protesto, liderados pelo cacique Darci Tupã. “Se as obras não forem paradas, eu vou colocar oca lá, com índio morando dentro”, declarou Darci Tupã, ameaçando ocupar a área caso a construção prosseguisse. Ele e outros líderes Guarani denunciaram destruição de vegetação nativa e afirmaram que o empreendimento representa um “crime ambiental”, temendo impactos culturais e a falta de regularização de suas terras.

Diante da polêmica, o Ministério Público Federal e Estadual intensificaram ações. Em 26 de maio de 2023, o ministro Herman Benjamin, do STJ, em decisão cautelar, ordenou a paralisação imediata das obras do Maraey. Ele também suspendeu as licenças e autorizações concedidas ao projeto pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), pelo Estado do Rio e pela Prefeitura de Maricá. O magistrado atendeu a um pedido do MPRJ para evitar “danos imediatos ao ecossistema da região e prejuízos a comunidades tradicionais”. A decisão cita especificamente a comunidade indígena Tekoa Ka’Aguy Ovy Porã e a comunidade tradicional de pescadores da Vila de Zacarias como grupos sob risco. Na avaliação do STJ, a Restinga de Maricá constitui “um ecossistema raro e … um dos mais ameaçados do Brasil, especialmente em razão da pressão imobiliária”, o que justifica cautela máxima. A ordem do STJ teve efeito imediato: desde então, as obras estão paralisadas há mais de dois anos na restinga de Maricá, aguardando resolução final dos litígios.

Vale notar que antes mesmo da intervenção do STJ, em agosto de 2022 a 2ª Vara Cível de Maricá já havia determinado o cancelamento das licenças do Maraey, considerando que a emissão de alvará pela prefeitura contrariava decisões judiciais existentes. Na ocasião, a Defensoria Pública (representando moradores de Zacarias) e o MPRJ argumentaram que a continuidade do projeto violaria liminares vigentes desde 2013. A juíza local reafirmou que a liminar de 2013 permanecia em vigor e que instâncias superiores – inclusive o STJ – já apontavam que a instalação do resort causaria dano irreparável à APA de Maricá. Ou seja, o empreendimento vinha avançando amparado em autorizações contestadas, enquanto organizações civis recorriam à Justiça para fazer valer os embargos ambientais.

Atualmente, o impasse jurídico continua. O projeto aguarda o julgamento de mérito das ações civis públicas. Até lá, por força da determinação do STJ, nenhuma obra de construção pode prosseguir, apesar de construções irregulares serem flagradas constantemente na região, como já noticiou o Maricá Info em setembro de 2024. Apenas algumas intervenções preliminares foram realizadas antes da suspensão (como resgate de flora e fauna e abertura de vias provisórias), mas todo o desenvolvimento do complexo turístico encontra-se congelado por tempo indeterminado.

Desenvolvimento versus Preservação

A paralisação do Maraey evidencia um conflito entre visões de desenvolvimento econômico e a defesa socioambiental. De um lado, autoridades locais e investidores sustentam que o complexo trará emprego, renda e infraestrutura, inserindo Maricá no mapa do turismo internacional. Do outro, ambientalistas, cientistas e comunidades tradicionais alertam para os riscos de destruição de ecossistemas sensíveis e impactos irreversíveis no modo de vida local.

O atual prefeito de Maricá, Washington Quaquá (PT) – que enquanto deputado federal foi um dos principais defensores do Maraey – argumenta que o empreendimento pode ser exemplo de desenvolvimento sustentável. Quaquá promoveu audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir o caso e afirmou que o Maraey “hoje é referência mundial de investimento responsável e sustentabilidade integral pelo compromisso ambiental, a responsabilidade social e o desenvolvimento econômico”. Segundo ele, o projeto (com 1.100 quartos de hotel previstos) atrairia 500 mil turistas por ano à região, aquecendo a economia local. A prefeitura e aliados políticos destacam ainda compromissos sociais do Maraey, como a regularização fundiária e urbanização da Vila de Zacarias – comunidade de pescadores dentro da área – incluindo entrega de títulos de propriedade aos moradores e melhorias em saneamento, luz e lazer. Para os defensores, é possível conciliar a preservação ambiental com o desenvolvimento, criando uma Maricá turística sem prejuízo aos ecossistemas, desde que sob rígidas medidas mitigadoras.

Representantes do setor de turismo também apoiam o projeto. “Dá para conciliar preservação ambiental e desenvolvimento. Basta haver boa vontade”, disse o deputado Romero Rodrigues, presidente da Comissão de Turismo, elogiando a iniciativa de Quaquá de levar o debate ao Congresso. Os empreendedores afirmam que o Maraey terá tecnologia de ponta para minimizar impactos, recuperação de áreas hoje degradadas e criação de um centro de pesquisas ambientais em parceria com universidades. Como vitrine, citaram a recente parceria firmada com a Universidade de Lausanne (Suíça) para instalar em Maricá a primeira universidade de hotelaria da América Latina, formando mão de obra local e fomentando conhecimento científico na região.

Por outro lado, movimentos ambientais e comunidades locais encaram essas promessas com ceticismo. A Restinga de Maricá é reconhecida por sua biodiversidade rica e ameaçada, abrigando espécies endêmicas e importantes serviços ecossistêmicos (proteção costeira, regulação climática, etc.). Ambientalistas alertam que urbanizar parte dessa área pode comprometer todo o equilíbrio ambiental. “Não creio na proposta de sustentabilidade anunciada pelos empreendedores”, afirma Flávia Lanari, presidente da Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá (Apalma). Para ela, os defensores do resort – empresários e gestores públicos – “têm vendido ilusões à população local”, prometendo benefícios como empregos e melhoria de vida que não se sustentariam. “São mentiras para convencer que resort, hotéis de luxo, condomínios e shoppings serão benéficos à população que vai perder o acesso à praia”, completou a ambientalista, temendo a exclusão de moradores das áreas valorizadas pelo turismo de alto padrão. Organizações como o Movimento Pró-Restinga, integrando ONGs, coletivos e pesquisadores, têm feito campanhas de conscientização sobre a relevância da restinga e mobilizado apoio público, inclusive com petições internacionais contra o Maraey.

Moradores da Vila Zacarias, tradicional comunidade pesqueira situada às margens da lagoa, estão divididos entre as oportunidades e os temores trazidos pelo projeto. Muitos veem na regularização fundiária e nas obras de urbanização prometidas uma chance de melhoria nas condições de vida locais. Contudo, há preocupação sobre a perda de território e cultura. Estudos antropológicos apontam que famílias de pescadores ocupam a região há mais de 200 anos, consolidando um modo de vida intimamente ligado ao ecossistema da restinga e da lagoa. Parte dessa comunidade seria deslocada ou incorporada ao empreendimento, com riscos de descaracterização. Em 2021, quando o STJ reiterou a suspensão do licenciamento, pescadores de Zacarias protestaram, em conjunto com a Defensoria Pública, contra o que viam como ameaça às suas raízes. “Alguém acha que não haverá achaques ao povo simples daqui, que vai caminhando esses três quilômetros até o mar com suas varas de pesca?”, questionou Flávia Lanari, criticando a possível restrição de acesso livre à praia após a construção do resort.

Cientistas e acadêmicos também acompanham de perto. O professor Jorge Pontes, da UERJ, considerou correta a decisão do STJ que barrou as obras, “muito bem acertada e com base na legislação ambiental brasileira que foi esquecida ou [que] tentaram ludibriar publicamente”. Ele se disse surpreso com a postura do Inea ao conceder licenças em 2021: “causou espanto a posição de um órgão ambiental como o Inea apressando um processo de licenciamento apenas por interesses políticos, pois legalmente não poderia ser [aprovado], pelo menos com a concepção apresentada pelo grupo luso-espanhol IDB”. Ou seja, na visão técnica, o licenciamento do Maraey contrariou preceitos ambientais básicos. Pesquisadores defendem que, à semelhança de outros casos no Rio (como o autódromo que seria construído na floresta do Camboatá), a solução pode ser ampliar a proteção legal da área – transformando a restinga em um parque ou reserva definitiva – para blindar a região de vez contra empreendimentos de grande porte.

Enquanto o debate prossegue, a obra permanece embargada e a sociedade maricaense aguarda. Há expectativa de que o Judiciário dê um desfecho claro: ou liberando o projeto com condicionantes rigorosas, ou cancelando-o em definitivo. Só então será possível conciliar, de fato, as demandas de conservação ambiental com as de desenvolvimento econômico no litoral de Maricá.

Fontes: STJ (Superior Tribunal de Justiça)stj.jus.brstj.jus.br; Agência Câmaracamara.leg.brcamara.leg.br; ((o))eco – Jornalismo Ambientaloeco.org.broeco.org.br; Observatório OPIERJopierj.org; documentos e notas oficiais do MPRJ, DPERJ e IDB Brasiloeco.org.broeco.org.br.

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Projeto do empreendimento turístico MARAEY.
maraey experience mall
Projeto do empreendimento turístico MARAEY.
maraey marica
Projeto do empreendimento turístico MARAEY.
maraey marica
Cassino estaria anexado ao complexo turístico e residencial MARAEY.

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